A complexidade do setor de semicondutores é frequentemente
subestimada. Ainda nos dias de hoje, a indústria de semicondutores é
considerada uma das indústrias mais complexas que existem. Desde a
matéria-prima de silício (os wafers) até os dispositivos
semicondutores fabricados, frequentemente, são necessárias mais de
500 etapas de processamento para a manufatura dos chips.
Qualquer falha, em uma destas etapas, compromete a qualidade de toda
a produção. A curva de aprendizado necessária ao domínio da
produção de dispositivos semicondutores é longa (tipicamente de
10 a 15 anos) e o caminho para a aquisição dessa competência
exige alto investimento e custeio, muita competência técnica e
persistência.
Os produtos principais de uma fábrica de semicondutores são os
dispositivos (circuitos integrados, sensores, etc.) que são
fabricados em grandes quantidades a partir de um substrato. O
processo de manufatura é composto por centenas de etapas que
ciclicamente envolvem a definição de padrões (fotolitografia) para
a deposição, remoção e modificação das propriedades do
substrato, tipicamente finas lâminas de silício.
A
CEITEC, enquanto unidade fabril, possui duas áreas complementares:
uma chamada de front end e outra, back end. O conjunto
de processos de manufatura do front end é destinado à
manufatura de chips a partir de wafers. Já back end
realiza o pós-processamento dos wafers por meio da realização
do teste elétrico, afinamento, corte e o encapsulamento dos chips.
Em
2013, foi iniciada a prospecção e a aquisição de equipamentos
para a unidade fabril de back end, e o comissionamento da
linha de produção de micromódulos de circuitos integrados.
É correto afirmar que a tecnologia CMOS 600 nanômetros – que
caracteriza os equipamentos do front end da CEITEC – já
atingiu sua maturidade no início dos anos 1990. Esta era a
tecnologia utilizada nos processadores Intel família 486® e
Pentium®. Antiga, porém não ultrapassada: existem várias
aplicações onde essa tecnologia ainda é adequada e competitiva.
Existem mercados diferentes para os diferentes nós de tecnologia.
A comparação da
CEITEC com fábricas para produção de processadores e memórias
estado da arte não é adequada. Comparada com essas fábricas, a
CEITEC, e quase todas as outras empresas de semicondutores do mundo,
estão defasadas!
Computadores
pessoais, Macbooks, Smartphones, Tablets, e até videogames de última
geração são exemplos de aplicações que fazem uso intensivo de
semicondutores nas indústrias de bens de consumo para consumidores
finais. No entanto, os nichos de mercado nos quais a CEITEC atua são
diferentes, e voltados, principalmente, à identificação por
radiofrequência, comunicação sem fio, segurança, criptografia e
identificação pessoal.
Existem muitos
nichos de mercado dentro da indústria de semicondutores, e a CEITEC,
com seu front end, procura se posicionar em um nicho
compatível com a sua tecnologia.
Na
área de memória e processadores de última geração, devido ao
alto valor agregado dos produtos, as indústrias investem, todos os
anos, bilhões de dólares em desenvolvimento e construção de novas
fábricas ou atualização das existentes. Nesse ramo, um chip
com mais capacidade de processamento é extremamente desejado pelo
mercado, pois permite a introdução de novas aplicações. Do mesmo
modo, um chip
com mais memória também é muito desejado. Um
chip
com maior capacidade de processamento (nem sempre a custo menor) só
é possível diminuindo-se as dimensões do dispositivo. O mesmo vale
para as memórias.
A
CEITEC não foi criada para,
e nunca teve em seus objetivos, ser uma indústria do ramo de
processadores e memórias de última geração, que hoje requerem uso
de tecnologias disruptivas, da ordem de 18 nm ou menores.
Isso não quer dizer que a empresa não possa ter memória ou
processamento em algum de seus chips.
O
custo de um desenvolvimento de processadores e memórias de última
geração é extremamente alto, podendo chegar a dezenas de milhões
de dólares. Isso inclui apenas o custo de horas-homem para projeto,
confecção de máscaras e fabricação dos protótipos. Exatamente
por causa dos custos extremamente altos, menos de uma dezena de
empresas no mundo é capaz de produzir hoje em dia memórias e
processadores de última geração. Nesse pequeno grupo estão
empresas conhecidas como Intel (maior empresa no ramo de
processadores), Samsung (maior empresa no ramo de memórias) e TSMC
(maior foundry
do mundo).
Hoje
no mundo existem centenas de empresas que atuam no ramo de circuitos
integrados, e, apesar do maior faturamento estar nos processadores e
memórias de última geração, a esmagadora maioria das empresas
atua em outros nichos de mercado.
Tome-se
por exemplo a fabricação de dispositivos RFID, ramo em que a CEITEC
já tem vários produtos no mercado. Esses dispositivos, por
natureza, precisam de uma grande parte analógica em seus circuitos.
Os componentes analógicos são aqueles que “conversam” com o
mundo exterior, por exemplo, trabalhando com o sinal de rádio
frequência recebido e enviado. Por natureza, esses componentes são
“grandes” (quando comparados com as partes digitais do circuito)
e normalmente não acompanham a mesma taxa de redução de tamanho
observados pelos circuitos digitais. Como exemplos de componentes
analógicos, citam-se transistores, capacitores e resistores. Como
resultado, ainda que a parte digital do circuito possa ser diminuída,
a parte analógica não. Ou seja, se um chip
RFID fosse hoje projetado para ser produzido numa fábrica estado da
arte (Intel, por exemplo), a sua área total seria apenas levemente
reduzida, mas os seus custos de desenvolvimento e fabricação seriam
estratosfericamente mais altos.
Outro
exemplo é o caso de chips
para o cartão de crédito. Tais chips
contêm um processador simples para executar as suas funções.
Porém, não é necessário um processador de última geração,
custando centenas de dólares a unidade. Isso inviabilizaria
economicamente o seu uso.
A fim de entender
melhor as capacidades da linha de front end instalada na
CEITEC, o primeiro ponto a se observar é que os equipamentos
instalados podem produzir circuitos com dimensões mínimas da ordem
de 350 nm. Ou seja, apesar da tecnologia atual ser limitada a
dimensões de até 600 nm, os equipamentos instalados tem a
capacidade de produzir circuitos com dimensões críticas ainda
menores.
É possível
identificar na indústria mundial que existem diversas fábricas
operando com equipamentos semelhantes aos da linha de front
end da CEITEC. Um dos melhores exemplos é a ON
Semicondutor. A empresa, de modo semelhante à CEITEC, possui em
seus negócios tanto o projeto de circuitos integrados, como linhas
de produção de front end e back end. Teve faturamento
de 5,5 bilhões de dólares em 2019.
Ela possui centros projetos em 16 países, e fábricas em 9. Dentre
as fábricas com linhas de front end, é possível observar
que várias delas são equivalentes à tecnologia da CEITEC. Seguem
abaixo alguns exemplos:
Fábrica |
Diâmetro do Wafer |
Nó de tecnologia |
Produtos |
ON Semiconductor Oudenaarde, Bélgica |
150 mm |
0,35 µm a 2 µm |
BCD e CMOS Analógicos de Baixa, Média e Alta Tensão |
ON Semiconductor Roznov, Rep. Checa |
150 e 200 mm |
0,8 µm a 3 µm |
Bipolar, Metal Gate CMOS, MOSAIC, e vários PowerFET e IGBT |
ON Semiconductor Pocatello, EUA |
200 mm |
0,35 µm a 1,5 µm |
CMOS Analógicos, BCD, Discretos avançados,
e Tecnologias personalizadas |
ON Semiconductor Maine, EUA |
200 mm |
0,18 µm a 1,5 µm |
CMOS
antológicos, BCDMOS, Bipolar, SiC
|
ON Semiconductor Rochester, EUA |
150 mm |
- |
Sensores de Imagem |
ON Semiconductor Niigata, Japão |
125 e 150 mm |
0,3 µm a 2 µm |
CMOS, BiCMOS, BCD, Bipolar, e Discretos |
ON Semiconductor Bucheon, Coréia do Sul |
150 e 200 mm |
0,18 µm a 2 µm |
Trench
MOSFET, Trench IGBT, MOSFET planar, Super Junction, Ultra-thin
grind, BCDMOS, SiC
|
A linha de front
end da CEITEC, com poucos investimentos na manutenção de
alguns equipamentos, tem condições tecnológicas de produzir vários
dos produtos dessas fábricas sem a necessidade da aquisição de
quantidade significativa de novos equipamentos.
Diversas outras
empresas (grandes e pequenas) produzem produtos semelhantes aos
citados da ON Semiconductors. Ainda que algumas empresas estejam
trocando parte de suas linhas para fabricar em wafers de 150
mm para 200 mm de diâmetro, ainda existem diversas empresas
trabalhando em 150 mm, tal como a CEITEC. Como pode ser observado em
publicação de Dezembro de 2016 na IC Insights,
esta lista inclui ST Micro, Toshiba, Texas Instruments, Reneseas,
Rohm, Panasonic entre outras.
Outro exemplo de
empresa que possui fábrica semelhante é justamente a XFAB (que
licenciou tecnologia CMOS 600 nm à CEITEC). Duas de suas fábricas
(em Erfurt na Alemanha e Lubbock Estados Unidos) possuem equipamentos
muito semelhantes aos da CEITEC.
Com a competência
adquirida ao longo da transferência da tecnologia CMOS XC06, no
final do ano de 2016 a equipe técnica da CEITEC focou-se para
utilizar a infraestrutura da Fábrica para o desenvolvimento de
inovação e pesquisa. Um exemplo de mercado no qual os equipamentos
da CEITEC podem ser utilizados é o de sensores e MEMS. Tal
como noticiado pela Solid State Technology
a ST Micro e a Rohm, são exemplos nessa área. A
produção de sensores e MEMS é dominada por fábricas de 150 mm
(como a da CEITEC) e necessita, em geral, de equipamentos até menos
complexos que os instalados na CEITEC. Do mesmo modo, dimensões
críticas da ordem de 500 nm são, em geral, mais do que suficientes
para fabricação de sensores.
Analisando as
informações de fábricas focadas em sensores e MEMS, a Fábrica da
CEITEC possui capacidade semelhante nos processos de Fotolitografia,
Corrosão, Deposição de Dielétricos, Limpeza, Implantação,
Metrologia, Afinamento e Corte. Algumas dessas empresas destacam
maior capacidade de deposições metálicas e também na colagem de
wafers. Porém, é possível notar que isso não impede a
CEITEC de explorar o mercado de sensores e MEMS, uma vez que esse é
muito diverso (como os próprios sites dessas empresas indicam) de
forma que a capacidade atual da CEITEC já a habilita a produzir
certos tipos de sensores.
A lista de empresas
não se resume a apenas aquelas citadas acima. Empresas como Silex
(http://www.silexmicrosystems.com/mems-foundry/key-technologies/),
MNX (https://www.mems-exchange.org/catalog/),
TowerJazz (http://towerjazz.com/mems.html),
ou mesmo a própria XFAB já citada aqui, com as suas unidades
em Erfurt e
Itzehoe
(http://www.xfab.com/fileadmin/X-FAB/Outsourcing/Process_Capabilities_X-FAB_Itzehoe.pdf)
também apresentam fábricas com capacidades de produzir sensores e
MEMS (com vários desses dispositivos também podendo ser produzidos
na Fábrica da CEITEC).
Outro interessante
exemplo é a empresa Simpore, especializada na fabricação de
membranas. Por trabalhar com microestruturas, esta também passou a
oferecer serviços de microfabricação. Ainda assim, é possível
observar que os equipamentos instalados na CEITEC são mais modernos
que os da Simpore (http://www.simpore.com/).
Outro exemplo no
qual os equipamentos da CEITEC poderiam ser aplicados é na área de
dispositivos fotônicos. Por exemplo, a empresa Ibsen Photonics
oferece serviços de fabricação
(https://ibsen.com/products/transmission-gratings/grating-foundry-services/)
que podem ser feitos por equipamentos semelhantes aos da
CEITEC. Alguns dos produtos da empresa (como em
http://ibsen.com/products/transmission-gratings/ping-telecom-gratings/telecom-c-band-gratings/)
também podem ser fabricados com os mesmos equipamentos da CEITEC.
Diversos países
prezam muito em ter capacidade de microfabricação no país, e
até por isso mantém instituições públicas nesse ramo. Desde
instituições gigantes como o IMEC, na Bélgica
(http://www.imec-int.com/en/infrastructure),
até instituições com área de fabricação semelhante à da
CEITEC, como o Instituto de Microeletrônica de Barcelona, na Espanha
(http://www.imb-cnm.csic.es/index.php/en/about-us/overview),
e a Fundação Bruno Kessler, na Itália
(https://cmm.fbk.eu/en/research/),
é possível observar que as mesmas ajudam a impulsionar a pesquisa
em áreas de alta tecnologia, bem como promovem parcerias com
empresas privadas, que inclusive, em alguns casos, pagam boa parte
dos seus custos.
As inovações e
pesquisas conduzidas pela equipe da Fábrica desde 2016 se mostram
aderentes ao que existe no mercado. Abaixo é mostrado um resumo do
que já foi ou está em estudo:
Produto |
Aplicação |
Estágio na CEITEC |
Sensor eletroquímico |
SENSORES. Para COVID-19 |
Protótipo finalizado |
Sensor eletroquímico |
SENSORES. Múltiplas doenças |
Prova de conceito |
Microfluídica |
SENSORES. Dispositivos microfluídicos para solução lab-on-chip |
Protótipo entregue |
Nanobiosensor - miRNA |
SENSORES. Detecção precoce de doenças |
Prova de conceito |
Nanobiosensores - µPCR |
SENSORES. Detecção precoce de doenças |
Prova de conceito
|
ISFET |
SENSORES. Controle de pH |
Em estudo |
Sondas neurais |
MEMS. Sondas para monitoramento de atividade cerebral |
Protótipo entregue |
Microestruturas de segurança
|
MEMS. Selo de segurança |
Em estudo |
Strain gauge |
MEMS. Medição de deformação mecânica |
Produto entregue |
Dispositivo fotônico |
MEMS. Espelho para laser ajustável |
Protótipo entregue |
Capacitores discretos |
IPD |
Prova de conceito |
Resistores de filmes finos para potência |
IPD |
Prova de conceito |
Interposer |
Foundry. Conexão de chips em aplicações de alta
tensão |
2º Protótipo finalizado. Parceiro desenvolvendo outros
componentes da solução |
Foundry para dispositivos fotônicos (nitreto)
|
Foundry |
Em desenvolvimento |
Foundry para dispositivos fotônicos (óxido)
|
Foundry |
Protótipo entregue |
MCM quartzo |
Foundry |
Produto entregue |
MCM SU8 |
Foundry
|
Prova de conceito |
Memórias charge trapping em nitreto silício |
Foundry |
Prova de conceito |
RDL, WLCSP, FOWLP e
SiP |
Encapsulamento Avançado |
Prova de conceito |
Cita-se, ainda, o
caso do DMEA nos Estados Unidos, que é subordinado ao
Departamento de Defesa do país. A referida instituição surgiu para
garantir que o governo americano tivesse garantia de suprimento de
componentes eletrônicos críticos. Para isso, a instituição
oferece rodadas de produção em fábricas de ponta
(http://www.dmea.osd.mil/TAPO/foundryServices.html),
bem como possui a sua própria fábrica, a ARMS (Advanced
Reconfigurable Manufacturing for Semiconductors, ou Produção
Avançada Reconfigurável de Semicondutores). Ainda que obviamente
não existam informações detalhadas sobre a fábrica da ARMS, por
ser esta pertencente ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos e
também devido ao seu papel estratégico
(http://www.businesswire.com/news/home/20051003005445/en/JMAR-Awarded-Contract-Upgrade-Semiconductor-Process-DMEA),
algumas informações extraídas da internet, noticiam que as
instalações estavam se reconfigurando para trabalhar com wafers
de 6 polegadas (150 mm) tal como utilizado na CEITEC. Isso mostra que
a sua capacidade instalada não deve ser muito diferente daquela da
CEITEC; e mesmo que a tecnologia da
ARMS não seja a mais avançada, se mostra muito importante para o
governo dos Estados Unidos.
Por meio de todos esses relatos é possível
observar que o front end
da CEITEC, com os seus equipamentos atuais, tem capacidade de
explorar não só mercados mais tradicionais, mas principalmente
mercados como sensores e MEMS, ou ainda mais novos, como de Fotônica,
Integração de Dispositivos Passivos (IPD, Integrated Passive
Device), encapsulamento avançado (RDL, Redistribution Layer;
WLCSP, Wafer Level Chip Scale Packaging; FOWLP, Fan Out
Wafer Level Packaging) e soluções SiP (System in Package).
E o mais importante, mostra-se como um ativo estratégico para o
desenvolvimento de soluções tecnológicas em conjunto com outras
instituições de ensino e pesquisa do país, tal como visto em
outros países.
SolidState Technology Technology
(www.solid-state.com),
é uma fonte
global de pesquisa de informações, notícias e análises
relacionadas à fabricação de semicondutores, wafers,
circuitos integrados, microeletrônica de filmes finos, dentre
outros. Publicada desde 1958, a SolidState Technology é a mais
antiga e completa fonte de informações destinada a engenheiros,
operadores, gerentes, fornecedores de materiais e ferramentas e
outros pesquisadores da área de tecnologia de semicondutores.